“Quando a gente fala de Economia Criativa, o que as pessoas esquecem é que economia criativa é o olhar da economia sobre a criatividade”
Ana Carla Fonseca atua nas áreas de economia, cidades e negócios criativos. É Administradora Pública (FGV/SP); Economista, Mestre em Administração, Doutora em Urbanismo (USP – primeira tese brasileira sobre cidades criativas) e professora no Brasil (FGV/SP e UCAM/RJ), na Argentina (Universidad Nacional de Córdoba) e na Espanha (Universidad Rey Juan Carlos).
Tem uma empresa de geração de conteúdo em Economia Criativa/cidades criativas, a Garimpo de Soluções, empresa brasileira líder no cenário global, que desenvolve projetos em economia, cidades e negócios, nos setores culturais e criativos.
Também presta serviços de curadoria e seminários internacionais, com temáticas da economia criativa, inovações urbanas, questões de financiamento, formas de governança, consultoria para empresas privadas nas áreas de economia e cidades, a fim de trazer o setor privado para o meio criativo, assessoria para governos e entidades das Nações Unidas.
Visando a disseminação de conteúdos da economia criativa, realiza levantamentos bibliográficos do assunto, com organização de livros próprios ou compilações de autores internacionais. Além de organizar e coordenar cursos relacionados à Economia Criativa em universidades.
A gente entende que a criatividade é um conceito bastante abrangente, bastante amplo, mas daria pra gente pensar em linhas gerais pelo menos a sua compreensão em especial do que seria criatividade?
Eu acho que criatividade é muito mais amplo que economia criativa, que indústrias criativas. Existem 500 definições, como vocês sabem. A que a gente adota para economia criativa especificamente é quando há uma boa ideia com agregação de valor, que daí é justamente a passagem da criatividade para a inovação, e que tenha uma representatividade econômica.
Com relação à criatividade aplicada nas cidades, como se dá essa ligação?
Quando a gente fala da criatividade sob a ótica das cidades criativas, aí é muito mais amplo, até pelo fato da cidade ser muito mais do que o fluxo econômico que nela se estabelece. É que as pessoas acham que cidade criativa é uma cidade onde a economia criativa é mais forte, e a gente sabe que a cidade é muito mais que a sua economia. Então a criatividade no espaço urbano é a capacidade que a cidade tem de se reinventar, é a capacidade que ela tem de resolver seus próprios problemas. Do ponto de vista do nosso trabalho a criatividade tem esses recortes muito específicos em economia e urbanismo.
Você consegue citar alguns exemplos, para ficar mais claro, o que significa a criatividade em relação aos centros urbanos?
Essa pergunta leva a uma questão de fundo de que, afinal, o que é uma cidade criativa?
O que deu pra gente perceber foi que independentemente da situação socioeconômica, da escala ou do contexto da cidade, uma cidade que se pretende criativa é uma cidade onde há três características muito fortemente presentes. É uma cidade com inovações. Uma cidade que tem conexões (por exemplo conexão entre o público e o privado, entre a história da cidade e sua estratégia de desenvolvimento) e que possui a característica da cultura (cultura não só entendida como valores, identidades, mas também cultura como impacto econômico e como um ambiente mais propício à criatividade, o que tanto se associa a cidades reconhecidas como criativas no imaginário coletivo, a exemplo de Barcelona, Londres, Nova York).
Essas são cidades que estão efervescentes em termos de propostas de novos olhares, onde as pessoas têm a sensação de que a qualquer lugares ao qual se olhe elas vão ter estímulos, vão ter surpresas.
E como fica o conceito de cidade criativa?
De posse disso eu diria que o conceito de cidade criativa acaba tendo um conceito que é muito próximo de uma utopia, porque se você falar que uma cidade é criativa, significa que todas as pessoas nessa cidade têm a chance de serem mais criativas, ou todas pessoas dessa cidade, independente de onde moram, tenham acesso a um ambiente propício à criatividade.
Independente de você estar no Brasil, onde o nível de desigualdade é gigantesco, ou numa cidade como Montreal, na qual esse nível de desigualdade é muito reduzido, você não tem essa harmonização de possibilidades na cidade como um todo. Agora, toda utopia é maravilhosa e fundamental pra você se aproximar dela. Cabe essa ressalva de que uma cidade criativa não é feita em cima de bairros criativos, ela é feita em cima de uma proposta de que a cidade é tão mais criativa quão mais criativos forem os cidadãos todos.
Sobre a economia criativa como ferramenta de desenvolvimento, com relação a aplicação dela no desenvolvimento da sociedade.
Eu acho que existem algumas questões pra que isso se concretize. O que a gente sabe, por conta de alguns estudos desenvolvidos em alguns países que vem insistindo nessa lógica, é que muitas vezes quando você privilegia os setores criativos, e você não dá condições complementares, por exemplo, de educação e de ciência e tecnologia, para que a pessoa seja mais autônoma e empreendedora, a economia criativa acaba tendo um efeito muito mais excludente do que inclusivo. Porque você acaba privilegiando aqueles trabalhadores que já têm um melhor preparo, que já têm uma formação melhor. Então a economia criativa só é de fato inclusiva, e portanto, voltado ao desenvolvimento, quando você cria condições de uma articulação de políticas, e daí essas políticas envolvem necessariamente educação e envolvem necessariamente ciência e tecnologia. Porque é impossível você dizer hoje que trabalha com criatividade se você não souber o que está acontecendo no mundo, já que o mundo está cada vez menor em termos de circulação de informações, e se você não tiver contato, acesso, familiaridade com a internet, você acaba saindo desse mundo, dessa possibilidade de mundo. Então você tem que criar essas condições.
Como está, na sua opinião, a visão da economia criativa na sociedade?
O que eu acho complicado é as pessoas acharem que a economia criativa, até por ingenuidade, é algo que vai resolver os problemas de uma comunidade pelo simples fato de eu dizer: “olha que bacana, o seu artesanato pode gerar renda!”. Porque para que o setor da economia criativa possa alavancar o desenvolvimento local, você precisa pensar na cadeia inteira.
Então não é gerando dependência de edital, dependência de repasses públicos. Quando você fala de economia você fala de mercado, e essa é uma confusão que as pessoas muitas vezes fazem, primeiro por não perceberem que a economia criativa é muito mais abrangente que cultura, e muitas vezes no caso do Brasil, a cultura é associada a filantropia e patrocínio. Então pra gente criar uma lógica de desenvolvimento local a gente tem que investir pesadamente em educação, ciência e tecnologia e empreendedorismo, o que acaba sendo muito desconfortável pra vários criadores que não estão acostumados com essa lógica deles terem que fazer negócio.
Não é só criação e produção, é também criar mecanismos de distribuição, fomentar demanda, prestar contas junto a uma instituição a qual solicitaram crédito, que é muito diferente de depender dos órgãos públicos.
Entrevista realizada por Giovana Franzolin e Tiago Pavini
giovanafranz@gmail.com | tiago.ppavini@gmail.com
Disponível em: https://drive.google.com/folderview?id=0B3w3koVDLJzZQzZBa01iWnI2TjQ&usp=sharing_eid