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Entrevista Lala Deheinzelin – parte II

“Se a matéria principal é algo intangível, então estamos falando de economia criativa”

Lala (diminutivo de Claudia) Deheinzelin, é uma ex-atriz, título a que ela mesma prefere ser chamada. Participou da novela Vale Tudo, da Rede Globo nos anos 1980, onde protagonizou, ao lado da atriz Cristina Prochaska, o primeiro casal de lésbicas da TV brasileira. Participou de outras produções na teledramaturgia mas, atualmente, considera que “ser atriz era limitado demais”.

Atua como consultora no campo da Economia Criativa. Dá palestras, promove oficinas sobre o tema e presta assessoria para governos e empresas sobre políticas e estratégias criativas.

É também proprietária da Enthusiasmo Cultural, empresa que “une extensa produção artística e profundo conhecimento público e privado”, oferecendo consultorias, eventos e seminários na área de economia criativa. É criadora do movimento Crie Futuros, uma das fundadoras do Núcleo de Estudos do Futuro da PUC, e membro do Conselho do Instituto Nacional de Moda e Design, além de ex-assessora Sênior da Special Unit on South-South Cooperation, ONU (2005/2011).


 

Confira a última parte da entrevista:

Quais são as dimensões da economia criativa no Brasil e quais métodos são utilizados para a medição das mesmas?

Outra coisa que esta interessando muito o BNDS, a Petrobras e varias outras empresas, como a Basfri; é como você mede resultado, as nossas réguas são muito limitadas. A gente só tem régua pra medir quantidade, números e números financeiros. Mas, a gente não tem régua para medir os resultados nas outras dimensões além da econômica. A gente não tem régua para medir os resultados na dimensão social. Quanto isso gerou de reputação? Quanto isso gerou de conexão? Quanto isso gerou de fidelidade? Quanto isso gerou de captação de pessoas? A gente não tem réguas parar medir a segunda dimensão da sustentabilidade social.

A segunda dimensão poderia ser, por exemplo… Aliás, essa seria a terceira dimensão. A primeira dimensão foi a econômica, nós sabemos medir. Dimensão numérica, quantitativa: dinheiro, resultados. A Segunda dimensão é a social, falamos. A Terceira dimensão: a dimensão ambiental. Que resultados para o ambiente – tudo aquilo que é base, suporte, estrutura – aquele projeto esta trazendo? Seja ele um grande projeto de um produto novo, um projeto de uma ONG ou um grande projeto nacional; que resultado ele esta trazendo para o ambiente externo e para o ambiente interno?  Não estou falando em ambiente somente no sentido natureza, mas, em um sentido mais amplo.

A Quarta dimensão, que foi incorporada mais recentemente, é a dimensão simbólica cultural. Que resultado eu trago do ponto de vista do conhecimento? Do ponto de vista de gestão? De ferramentas, de instrumentos; enfim, desse software que estávamos falando. Isso é o que caracteriza a dimensão simbólica: as ferramentas de conhecimento para trabalhar com as coisas. Enfim, para nós podermos de fato o que é valor e o que é resultado, precisamos pensar multidimensionamente. Olhar para cada uma das quatro dimensões da sustentabilidade: a econômica, social, ambiental e a cultural-simbólica.

Atualmente, qual é a importância das áreas de Recursos Humanos e, outras áreas ligadas aos materiais intangíveis, para as empresas?

A importância da área de RH é enorme. E o que esta acontecendo – e, seria desejável que isso acontecesse da forma mais rápida possível – é que áreas que antes eram consideradas como geradores de despesa e não de resultado – como é o caso de RH, comunicação, tudo o que este ligado justamente a esses intangíveis; essas áreas não eram consideradas, e, aliás, ainda hoje não é tão estratégicas quanto deveriam. Justamente porque a nossa régua só sabe medir valor financeiro. Então, vendas ou marketing, tem tudo na mão porque eles dizem “olha, o resultado foi tanto” só que, o RH e a comunicação – que deveriam sempre trabalhar de forma muito casada – são aqueles gestores do patrimônio, aquele patrimônio que será o mais importante no futuro, do conhecimento, da gestão, da criatividade, dos valores, da reputação. É dentro das pessoas que está tudo isso.

Então, o RH deveria ser absolutamente estratégico dentro das empresas. Ele esta sendo na verdade, muito subutilizado porque acaba se tornando um gestor de planos de saúde, etc. usando 5, 10% do que deveria ser o setor de RH. O mundo do futuro exige uma educação continuada, profissionais que sejam pró-ativos, criativos, colaboradores, com capacidade de decisão, etc. Quem esta formando esses profissionais? Quem esta dizendo para a academia, como deveriam ser esses profissionais? Quem esta dizendo para a empresa o que é que ela deveria ter como software? Isso é o RH. É ele que deveria estar por traz da maneira como esta sendo feita a gestão, por trás da inteligência da empresa.

Quais são os principais erros dos funcionários da área de recursos humanos

Algum deles nós já falamos, foi assumir esse papel de gestor de folha de pagamento e de plano de saúde. É não batalhar, defender e assumir o seu papel como planejamento e estratégia dentro das empresas. É não informar seus lideres sobre o que esta acontecendo, quem vai trazer pra dentro da empresa essa notícia de que “olha, o mundo mudou, esta mudando, estamos no meio dessa mudança. E nessa mudança o intangível tem um papel cada vez maior”? É o RH. Quem vai informar as lideranças sobre isso, quem vai ajudar, a saber, como trabalhar com toda essa inteligência – que é o maior patrimônio que as empresas tem –, essa experiência, essa criatividade que tá nas pessoas? E o RH.

Então, o maior erro é não assumir esse papel, esse futuro.

Trabalhando com essas questões de futuro, inovação, economia criativa, dos intangíveis, etc; eu percebi que isso é muito difícil. E que as pessoas não estão preparadas para isso. E qual é o principal beneficio o principal ganho da economia criativa? Primeiro é a questão da sustentabilidade. A sustentabilidade é a grande questão que a gente tem e, vai ser cada vez mais. É muito provável que leve a uma reformulação de todas as áreas da vida: da educação à gestão pública. Não temos como alcançar a sustentabilidade se não for a partir de uma nova economia que é baseada em recursos intangíveis, daqueles que não se consomem com o uso, mas, se multiplicam e além do mais são abundantes.

Como o conceito de recursos intangíveis transforma a leitura da economia internacional?

É interessante porque quando nós temos foco nesses recursos intangíveis, dá um novo significado para riqueza e pobreza. O ano passado eu trabalhei em Moçambique, que é um país muito rico. Porque tem uma riqueza natural impressionante, de diversidade cultural impressionante, muitas pessoas interessantes. Agora, o que é que Moçambique não tem? Não tem a parte de intangíveis. Em relação a capital social, por exemplo, formas de organização, formas de gestão, formas de participação política, etc; não existem então todos esses potenciais acabam sendo desperdiçados.

Por outro lado, o Japão é um país muito pobre. É um país pequeno, desastres naturais, inverno rigoroso, pedregoso, não tem como cultivar a terra e ter comida para todos os habitantes, etc. Mas, está rico. E porque ele esta rico? Porque seus ativos intangíveis como capital social, a gestão, a colaboração, a inteligência, o conhecimento, etc; aproveitam muito bem aquilo o que existe. Então, um dos maiores ganhos é que você consegue mudar essa relação entre riqueza e pobreza. E um segundo ganho é que a economia criativa só é possível quando ela é feita de forma sistêmica, integrada, transdisciplinar. Portanto, quando se começa a trabalhar de fato com processos assim, isso acaba modernizando e gerando modelos muito mais interessantes. Porque são modelos muito mais ligados ao seu futuro, modelos mais sistêmicos, mais interdisciplinares, mais colaborativos, que tem um desenho mais adequado para o século XXI.

Quais são os principais desafios da economia criativa? Você acha que as pessoas estão preparadas para lidar com essas questões?

O primeiro dos grandes desafios esta ligado a uma mudança de mentalidade porque, nossas lideranças – de governo, dentro das empresas, etc – ainda estão muito focadas nos modelos do passado. Em modelo que fizeram sentido a partir da década de 70, 80 e ainda não entramos muito no século XXI. Então toda a questão ainda esta focada em infraestrutura, na parte de hardware ao invés de na parte de software, dos processos e da gestão.

Toda essa questão da sustentabilidade da economia criativa não esta priorizada como deveria. E com isso, nós estamos atrasados. Por exemplo, a China, no plano quinquenal iniciado em 2012, estabeleceu as duas prioridades do país que são: economia criativa e economia verde.

O segundo desafio é ligado ao modelo porque, mesmo aonde já se percebe a importância de se trabalhar com a economia criativa. Muitas vezes primeiro não se tem noção da dimensão do que estamos falando. E continua parecendo que economia criativa é o setor artístico, desenvolvimento do setor artístico, etc. E não há uma verdadeira dimensão do que é economia criativa e portanto, de que modelo será trabalhado com isso. Os modelos que nós temos foram criados, sobretudo para os setores artísticos, ele vem, por exemplo, o Reino Unido então, mais ligado à indústria criativa do que a esse conceito mais amplo de economia criativa e, tem foco em crescimento econômico e não tão desenhado para visões ligadas a desenvolvimento e sustentabilidade.

O terceiro foco dos desafios esta ligado a mensuração. Como eu falei antes, nós temos uma enorme dificuldade em mensura, em tangibilizar o intangível. Todo o valor e resultado do que a gente tem quando trabalha com isso permanece oculto, porque é como se não houvesse réguas para isso. Essa mudança de réguas, de formas de medir tem que acontecer em várias escalas. Numa escala nacional é necessário, por exemplo, a mudança do PIB que é uma forma de mensurar riqueza e qualidade de vida, mas, que ainda é muito pouco eficiente. Porque, grandes desastres ecológicos, tráfico e guerras, por exemplo, aumentam o PIB. Em compensação tudo o que é investido no ser humano como educação, etc é considerado despesa e não investimento.

Essa mesma necessidade de reformular formas de medição esta presente em todos os âmbitos. Dentro das empresas acontece uma coisa semelhante, as áreas que estão ligadas ao patrimônio mais precioso que as empresas tem, que é o seu intangível, seu conhecimento, sua criatividade, sua capacidade de inovar; são áreas ligadas, normalmente, a RH, a comunicação, a pesquisa, a cultura, enfim áreas que são consideradas despesa e não investimento. Então, toda forma de medir e gerar capital ela tem que ser reformulada, nas várias instâncias da vida.

O quarto desafio tem haver com governança transdisciplinar, porque a grande questão da economia criativa é que ela não se faz sozinha. A economia criativa é por definição, um processo envolvendo atores de áreas diferentes. Por exemplo, você tem alguém da área de cultura e artesanato, que tem o ponto de partida; depois você tem design, depois comunicação, comercialização, tecnologia, e depois toda uma série de outras áreas que estão ligadas. Isso acontece desde o nível micro, do próprio desenvolvimento de um negócio, um produto, até o nível macro de gestão pública – onde este é um tema que envolve diversos ministérios e não apenas um só. É por isso, por exemplo, que o plano de economia criativa que foi desenvolvido dentro do ministério da cultura, que está na casa Brasil Criativo, e é uma proposta de desenvolvimento para o país a partir de economia criativa, está inserido na Casa Civil e reúne dez ministérios. Porque economia criativa tem haver com o Ministério e Ciências e Tecnologia, de Relações Exteriores, de Trabalho, de Turismo, de Desenvolvimento Social, etc.

E esse desafio de governança transdisciplinar ele também esta presente em todos os níveis. A gente não tem essa transdisciplinaridade nem na formação, no estudo, porque a academia, as escolas, estão todas compartimentadas. A gente não tem isso dentro das empresas, a gente não tem isso no governo. Então nós conseguimos avançar muito pouco porque estamos tentando com uma cabeça compartimentada resolver problemas que são sistêmicos.

A senhora poderia citar alguns exemplos de economia criativa que funcionaram dentro do cenário econômico brasileiro?

Bom, os exemplos de economia criativa são muitos e em diferentes escalas. Se a gente imaginar essa definição que eu proponho, por exemplo, de economia criativa como uma nova economia cuja cada matéria prima são os recursos intangíveis – conhecimento, criatividade, diversidade cultural, experiência, etc; aí a gente tem uma gama muito grande de exemplos. Desde o exemplo pequeno, ligado mais a cultura e ao desenvolvimento local, como pode ser uma cooperativa de artesãos. Até a exemplos muito grandes como pode ser o
São Paulo Fashion Week, você tem todo o turismo, por exemplo, o entretenimento, que são atividades que cressem seis vezes mais do que outras atividades econômica, e tem como matéria prima a experiência, que não se consome mas, se multiplica.

Você tem como economia criativa, por exemplo, a Natura. Porque o que eles vendem, o principal diferencial dos produtos, esta nos intangíveis. Você não esta criando um sabonete, você esta comprando algo que é extraído com ativos naturais de comunidade, etc; tem todo um atributo cultural de comunidade, de brasilidade, do relacionamento entre compradora e vendedora. São relações um à um, uma coisa que é viva e que não é fria.
Enfim, o que dá valor ao produto da Natura é o intangível e não o tangível.

Em um dos encontros que a gente fez de economia criativa, dentro do São Paulo Fashion Week, e que acontecem desde 2007; o presidente da Fiat falava que a parte principal do produto dele estava ligada a economia criativa, porque esta ligada a pesquisa, a design, a marca, a comunicação. É isso o que da valor a um produto, não é o carro em si – a roda, o metal, etc. Então, a gama de exemplos é muito vasta. Mas, uma maneira interessante de identificar é pensar “isto aqui, tem como matéria prima principal, algo tangível, material?” Como terra, ouro, petróleo, etc. “Há alguma coisa que seja tangível ou, a matéria principal é intangível?”.  Se a matéria principal é algo intangível então estamos falando de economia criativa, nesse novo conceito.


Áudio da Entrevista – Partes 4 à 7

 

Entrevista realizada por Giovana Franzolin e Tiago Pavini

giovanafranz@gmail.com tiago.ppavini@gmail.com

               Disponível em: http://goo.gl/M73Dwr

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