“A Universidade padece de comunicação com o contexto em que ela se encontra”
Cláudia Sousa Leitão é graduada em Direito pela Universidade Federal do Ceará e em Educação Artística pela Universidade Estadual do Ceará. É mestra em Sociologia Jurídica pela Universidade de São Paulo -USP e doutora em Sociologia pela Sorbonne, Université René Descartes, Paris V. É professora do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Sociedade da Universidade Estadual do Ceará, onde lidera o Grupo de Pesquisa sobre Políticas Públicas e Indústrias Criativas e participa da Rede de Pesquisadores de Políticas Culturais-REDEPCULT.
É professora na UECE, passou pela vida pública, sendo secretária da Cultura do estado do Ceará durante a gestão do governador Lúcio Alcântara (2003 – 2006).
Foi convidada pela ministra da cultura Ana de Hollanda, em 2012, para estruturar a recém criada Secretaria de Economia Criativa (SEC), deixando a pasta em 2013.
Confira a primeira parte da entrevista com Cláudia Leitão:
Como foi o seu trabalho no início da Secretaria de Economia Criativa?
A Secretaria de Economia Criativa não existia no Ministério da Cultura, e teria uma vocação diferente de todas as outras. Nossa questão não era trabalhar nenhuma linguagem nem um setor especificamente, mas pensar os aspectos de desenvolvimento, territorial, local, regional. Pensar também o papel do empreendedorismo dentro do mundo das artes, da cultura, dos setores criativos.
Qual foi o procedimento tomado para a Secretaria, a questão do planejamento?
Passamos para a discussão de um plano. Esse plano foi discutido em várias instâncias, com uma metodologia muito aberta, e que nós começamos as discussões conceituais com professores, pesquisadores, retomando também uma bibliografia que respaldasse a criação da secretaria. Daí que Celso Furtado foi uma escolha que eu própria fiz, e da qual eu não me arrependo. Saio daqui com a sensação de que plantei uma semente abaixo de uma árvore muito frondosa. Acho que Celso Furtado é um ministro da cultura muito pouco reconhecido enquanto ministro da cultura, ele é muito mais enquanto pensador e economista. Mas é exatamente o economista Celso Furtado que de uma certa forma inova no ministério da cultura, analisando as relações de financiamento à cultura, com relação à lei de incentivo. Então são muitas questões que nós resgatamos de Celso Furtado pra ter algum subsídio para criar a Secretaria. Nós fomos então avançando no sentido de que a Secretaria seria a mais articulada, ou a mais articuladora do Ministério da Cultura. Assim ela foi construída, numa perspectiva de uma grande árvore com muitos galhos. E que esses galhos fossem exatamente a formulação de políticas construídas de forma consertada com outros ministérios onde essa economia está. Nosso trabalho aqui primeiro foi fazer uma prospecção de compreender a partir dos planos plurianuais dos ministérios onde haveriam ações e programas que já enfrentassem os desafios da economia criativa.
E quais são os desafios para a economia criativa no Brasil?
A carência de dados confiáveis e de conhecimento dessa economia, no sentido de mapeamento de cadeias produtivas, de diagnósticos, de informações mais consequentes sobre esses setores no Brasil.
Outra carência é de formação, então a gente ta falando de educação. Uma educação que não se adéqua muito às necessidades de formação de competências para o novo trabalho, no século XXI.
O terceiro ponto é a questão do fomento, que envolve tanto a assessoria aos empreendimentos nesses setores, mas também um fomento creditício. Nós temos uma grande dificuldade entre os bancos, porque eles falam do pequeno, mas na verdade eles não oferecem condições para que o pequeno consiga dialogar com esses bancos, no sentido de fundos garantidores, de contra partidas, enfim, de um diálogo profícuo entre o micro e o pequeno empreendedor brasileiro, e nós temos uma vocação inenarrável no Brasil para o pequeno.
Por último as questões dos marcos legais, porque nós temos grandes dificuldades em relação ao nosso sistema jurídico de marcos que sejam produzidos para o progresso, mas também de marcos infra legais, que são produzidos pelos próprios ministérios pra que a gente possa fazer com que essa economia flua no sentido de potencialização das dinâmicas econômicas.
Como é essa questão dos marcos legais?
A gente fala da criação, é uma primeira etapa, o ministério de uma certa forma tem uma tradição de trabalhar com políticas para a criação, de apoio ao criador. Então o último desafio relativamente ao desenvolvimento da economia criativa ou á formulação de políticas para economia criativa é o desafio dos marcos legais. Porque nós temos setores que tem características diferentes, embora todos trabalhem nessa perspectiva do valor agregado ao simbólico, e isso eu posso dizer que do circo aos games, à tecnologia da informação, nós temos vários problemas legais, que envolvem, nas dinâmicas econômicas, as fases da produção, a questão dos insumos, a questão da logística, as questões da comercialização, da circulação, da exportação e por último do próprio consumo e fruição que impactado pela comercialização.
E como está a situação de quem produz cultura no Brasil?
O Brasil é um país que produz e não distribui, e isso é de uma forma geral, nem só especialmente no que diz respeito aos bens e serviços culturais ou criativos. Temos dificuldades de distribuição, isso vai da soja, do ferro, e nós temos problemas de logística pra isso, até imaginarmos que nós poderíamos ter nas gôndolas de supermercados CDs, DVDs, artesanatos, produtos de moda, de design brasileiros, e que eles poderiam ser exportados, mas a gente tem dificuldades aduaneiras, dificuldades alfandegárias, dificuldades relativas a impostos, à desoneração, dificuldades relativamente a tributação que às vezes se dá em efeito cascata, quando a gente fala de produção cultural, por exemplo. A ampliação do sistema, do SIMPLES, pra cultura, para os setores da cultura, pensando em todos eles e não só em publicidade. Então são muitas questões que envolvem marcos legais, que dizem respeito por exemplo à questão trabalhista e previdenciária, de um tipo de atividade profissional que não é mais de carteira assinada, e que sofre sazonalidades. Nós temos problemas também de direito autoral, de propriedade intelectual, a gente tem que avançar na discussão do direito coletivo, especialmente num país como o Brasil, onde você tem bordadeiras e gente que faz hip hop e que vive os mesmos problemas. Ás vezes são construções comunitárias, são direitos que não são mais na perspectiva do indivíduo, como eles foram construídos no século XIX e XX. Então, problemas de todas as ordens nós temos, na área jurídica que nós vamos ter que avançar.
Qual o panorama inicial do desempenho da SEC?
Nessa perspectiva desses desafios é que a secretaria se construiu, buscando num primeiro momento, parceiros dentro da própria esplanada dos ministérios, com o Ministério da Educação, o Ministério da Ciência e Tecnologia, o Ministério da Indústria e Comércio exterior, o Ministério de Desenvolvimento Agrário, onde também a Economia Criativa está, o Ministério do Trabalho e Emprego, das Relações Exteriores, vários ministérios que estiveram conosco, que estão conosco, numa discussão e numa construção de políticas concertadas. É um exercício difícil, porque a nossa tradição de gestão não é uma tradição de transversalidade, no geral os ministérios tem uma tendência de trabalharem de maneira isolada. A própria cultura é também um sistema, e como sistema também se isola. Para o século XXI, pra nós abordarmos as problemáticas das sociedades contemporâneas nós precisamos de um novo Estado, de uma nova gestão pública, isso eu estou cada vez mais consciente. E penso que a temática da Economia Criativa nos ajuda a pensar sim, porque ela nasce transversal, ela nasce necessitando ser construída não a partir de um só ministério, mas de uma perspectiva muito mais ampla, de um corte que é muito mais horizontal do que vertical. Então são esses desafios que a Secretaria vem construindo, compreendendo e avançando.
Entrevista realizada por Giovana Franzolin e Tiago Pavini
giovanafranz@gmail.com | tiago.ppavini@gmail.com
Disponível em: https://drive.google.com/folderview?id=0B3w3koVDLJzZQzZBa01iWnI2TjQ&usp=sharing_eid