“No Brasil o grande desafio é a necessidade de construirmos um modelo brasileiro de economia criativa”
Confira a segunda parte da entrevista com Cláudia Leitão, primeira secretária de Economia Criativa do Ministério da Cultura (2012-2013).
Como estão as ações concretas da SEC, o que esta sendo criado e desenvolvido por ela?
Eu diria que esse é o quadro que estamos enfrentando a partir de algumas ações concretas, eu poderia dizer algumas, por exemplo, a criação do Observatório Brasileiro da Economia Criativa. Nós produzimos o relatório da UNCTAD [Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento] em português, e esse relatório já está no próprio site do Observatório e, portanto, acessível a qualquer pessoa. Isso são informações que nós vamos produzir a partir de agora, o Ministério [da cultura] se compromete em fazer com que a economia criativa proposta pelos relatórios da UNCTAD, fale português e seja lido em português. Acho que isso é muito importante pra quem não fala inglês, e acho que isso é um subsídio muito importante os dados da UNCTAD.
Outro aspecto importante são os observatórios estaduais, que nós estamos construindo. Em um primeiro momento cinco observatórios, que serão os primeiros dos outros que virão, mas, é um em cada região. Temos o Observatório do Rio Grande do Sul, com a Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), o Observatório Estadual do Rio de Janeiro, com a fluminense (UFF), um observatório aqui no centro-oeste com a UNB, um observatório na Bahia, com a UFBA e um observatório no Pará. Então são cinco observatórios que nós estamos instalando, com apoio do CNPQ também e junto à FAP, Fundação de Apoio à Pesquisa, com recursos pra pesquisa. São observatórios nas universidades, mas com recursos nas fundações de amparo à pesquisa, pra que nós tenhamos alunos de pós-graduação, pesquisando com bolsas as temáticas da Economia Criativa.
A respeito da estruturação da SEC, como anda o desenvolvimento do meio técnico?
Do outro lado nós estamos no meio do caminho da construção da conta satélite da cultura, com o IBGE, isso eu penso que é muito importante, é muito estruturante. Sem conta satélite nós jamais saberemos o que formalmente essa economia movimenta no Brasil. Então espero que em 2015 nós tenhamos esse PIB da economia, da cultura no Brasil, mas ano que vem nós teremos as pesquisas municipais de culturas MUNICs (pesquisas municipais de cultura) de novo, e logo em seguida as ESTADICS, pesquisas estaduais até novembro, que são contribuições fundamentais para entendermos um pouco do estado da arte, da cultura com suas diversas somalidades no Brasil, na perspectiva municipal, estadual e evidentemente federal.
Como esta o relacionamento da SEC e dos Observatórios Criativos, em relação ao desenvolvimento de outros Coletivos?
Nós estamos trabalhando com os observatórios criativos começando pelo território APL – arranjo positivo local – junto com o Midíca nós vamos esse ano chancelar 27 arranjos coletivos locais, isso é uma ação concertada com o Ministério da Indústria e Comércio exterior. Já na perspectiva da gestão e inovação nós estamos instalando no Brasil, numa primeira leva 12 criativas Incubadoras. São casas do empreendedor criativo brasileiro onde ele terá apoio e serviços gratuitos desde a criação, produção até a distribuição, comercialização e exportação dos seus bens de serviço.
Então o Criativa Birô é um equipamento de fomento e de formação voltado para o empreendedor, o micro e pequeno empreendedor criativo brasileiro. O primeiro vai ser inaugurado no Rio de Janeiro e em seguida mais doze criativas serão inauguradas. Começaremos então a implementação de mais sete instituições e a nossa meta, evidentemente, é termos 27 Criativas Birô e 27 observatórios estaduais. Nessa perspectiva de termos informação, dados confiáveis, apoio à formação e ao fomento.
Como foi a construção do Criativa e qual será sua área de atuação junto a população?
Bom, eu penso que o Criativa Birô é o equipamento através do qual nós vamos ter, de um certa forma, uma visão da política pública de economia criativa do governo federal. Ele é fruto de convênio com os estados, portanto ele terá personalidade jurídica própria. Ele não será uma estrutura das Secretarias de Cultura, justamente para não dependere dos governos e ganharem estabilidade e longevidade, que é o que nos interessa. Eles irão se tornar autarquias, fundações, etc; cada estado vai tomar a sua decisão.
A ideia é que o criativa sobreviva aos governos e seja uma política de estado. E que dentro do criativa nós encontremos, portanto, um tipo de serviço, eu diria quase que um poupa-tempo, para o empreendedor criativo. Onde ele encontre lá dentro linhas de crédito de bancos, por exemplo. A caixa econômica federal vai estar dentro, o SEBRAE vai estar dentro, o SENAC e o SENAI vão estar conosco, um balcão de empregos do SINE (Sistema Nacional de Empregos) do Ministério do Trabalho. Que ele tenha todos os serviços, que funcione para a pessoa que é formalizada, que quer se formalizar, que precisa de informações – sobre editais e projetos que podem ser incentivados pela Lei Rouanet, etc. Mas especialmente, uma visão menos sobre editais e Lei Rouanet e mais de empreendedorismo. Numa perspectiva de criar para o artista, o profissional, para os setores criativos um maior protagonismo, uma maior autonomia, uma maior capacidade de pensar numa sustentabilidade. Que em alguns aspectos pode ser econômica, porque há setores que já operam nesse sentido e que tem mercados e possibilidade de comercialização.

No comando da SEC desde sua criação, Cláudia Leitão deixou o cargo em 2013. Créditos: blog.radardaproducao.com
Quais aspectos o criativa pretende dar maior ênfase dentro da produção criativa brasileira?
O que nós precisamos é melhorar a qualidade dos serviços de gestão. Muitas das vezes os artistas, que por natureza são artistas e não tem que ser outra coisa, precisam entender que estão dentro de arranjos produtivos onde é preciso um profissional que também trabalhe a distribuição daquele produto – a comercialização daquele bem ou daquele serviço. É isso, é entendermos que os setores da cultura também estão inseridos em cadeias produtivas e que o artista não tem que ser o gestor. Mas é preciso que haja que a gente forme gestores para os artistas, para os setores.
Quais são os grandes desafios da economia criativa brasileira?
No Brasil o grande desafio é a necessidade de construirmos um modelo brasileiro de economia criativa. Que não é o inglês, nem o australiano nem tampouco o chinês. E mais do que isso, nós temos aí uma tarefa de termos uma liderança no modelo de desenvolvimento de cultura como quarto pilar. Eu acredito nisso e a Convenção da Diversidade, que o Brasil é signatário, também defende essa visão da cultura como quarto pilar de desenvolvimento.
Qual será o papel social-econômico da indústria criativa e como ela dialoga com a juventude?
Os arranjos produtivos da cultura são muito includentes. Eles permitem a inclusão social, eles serão absolutamente importantes para essa juventude brasileira que pode ser formada para trabalhar nesses setores. Você vê às vezes pessoas jovens trabalhando na agricultura, em setores da indústria tradicional e que gostariam de trabalhar na indústria criativa. Então, nós temos que ouvir essa juventude, entender esse novo trabalho, perceber o potencial econômico desse trabalho e termos verdadeiras políticas públicas no âmbito federa, estadual e municipal – coisa que ainda não acontece.
Porque a senhora acha que há um atraso no desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a economia criativa?
Essa área é nova, há ainda uma desconfiança, um desconhecimento por parte dos governantes, dos próprios políticos sobre tudo isso. É necessário entendermos, por exemplo, que a festa é um fenômeno econômico, além de cultural, no Brasil. Parece tão óbvio, mas não é. Não há ainda uma compreensão, de que há uma cadeia produtiva das festas brasileiras que isso envolve uma série de profissionais e, que é preciso entender isso de uma perspectiva virtuosa. Apoiando os elos, entendendo os gaps, percebendo a fragilidade desses elos. Para que a gente possa produzir um tipo de economia muito mais includente, menos industrial – no sentido tradicional – e, mais cultural. No sentido de uma economia que vai fomentar os pequenos, aqueles que hoje se organizam em rede, em coletivos, que financiam seus projetos através do crownfunding (financiamento coletivo), das tecnologias sociais. Enfim, o Brasil é um celeiro dessas experiências e eu penso que nós temos muito ainda o que fazer e o Brasil pode ter uma liderança para essa economia criativa no mundo.
Entrevista realizada por Giovana Franzolin e Tiago Pavini
giovanafranz@gmail.com | tiago.ppavini@gmail.com
Disponível em: https://drive.google.com/folderview?id=0B3w3koVDLJzZQzZBa01iWnI2TjQ&usp=sharing_eid